9 de dez. de 2010

Em Perigo de Extinção

Autoria de Martha Medeiros

Gosto muito do escritor uruguaio Mario Benedetti, inclusive estranhei o pouco caso com que foi recebido pela crítica o seu romance A Borra do Café, lançado ano passado no Brasil pela editora Record. É o relato da infância e da adolescência de um menino em Montevidéu, uma espécie de autobiografia do autor, mas narrada como ficção, bonito à beça.
Mas foi um poema recente de Benedetti que me trouxe até aqui. No livro "La Vida esse Paréntesis" lançado no Uruguai em 1997 e, até onde sei, ainda não traduzido para o português, está um poema chamado "Extinciones" em que o escritor alerta para algumas coisas que estão em perigo de extinção além de baleias e micos leões dourados. " Também enfrentam este perigo, as promessas, os hinos, a palavra de honra, os juramentos, a ética, a autocrítica."
Não resisti em fazer minha prórpia lista. Além da Mata Atlântica e da Floresta Amazônica, correm sério risco de extinção os jardins em frente às casas, e as próprias casas, e com elas
os animais de estimação. em processo de extinção entraram o "por favor", o "obrigado", o "com licença" e o já desaparecido "desculpe". Em risco estão o "gosto muito de você", o "discordo de você mas aceito seu ponto de vista" e o "pode contar comigo". Segue preservado o "eu te amo", mas muitos deles respiram artificialmente.
Benedetti diz que os sem-teto estão prestes a ser extintos. Não só eles. Os sem-maldade, os sem segundas intenções e os sem-arrogância também. Em compensação, reproduzem-se em velocidade alarmante os sem-educação, os sem-humor e os sem-responsabilidade.
Pudor agora só em flash-back. A verdade também está sumida do mapa. A solidariedade ainda sobrevive, mas não anda solta nas ruas. Discrição, esqueça: nem em cativeiro.
Correm risco de extinção o ar puro, a praia limpa, o cinema feito de ideias e emoções, o beijo por razão nenhuma, os amigos de infância, o prazer de estar na estrada, os restaurantes que servem comida caseira feita na hora e o picolé de abacaxi, que não encontro em lugar algum.
Ficaram na saudade as cartas escritas à mão, os cursos de datilografia, as mulheres difíceis, o papo inteligente e os livros que você emprestou. E não ligue a televisão para ver programa de auditório no domingo, se quiser que seu estômago e cérebro não entrem na lista.

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